Isabel García
Não cheguei até aqui para ouvir aquilo. Ele não podia falar sério ou podia? Fiquei confusa e fiz a única coisa que consegui pensar naquele momento. Rasguei seu cheque em pedacinhos e joguei na sua cara lavada. Meu sangue é espanhol, ajo por impulsividade e pelo calor do momento em todos os quesitos da minha vida. Sei que posso me arrepender de alguns, mas disso aqui nunca vou me arrepender. Sei que “nunca” é uma palavra muito forte, mas enquanto eu respirar não quero um centavo sequer do homem que está a minha frente.
― Você pode engolir esse seu cheque, Lorenzo River Nolan ― falei com raiva e deboche, o sangue fervendo em minhas veias.
― Eu sabia que você me daria esse trabalho, é tão orgulhosa que não consegue enxergar um palmo na frente desse seu nariz empinado ― peguei minha bolsa e dignidade saí daquele lugar antes que não pudesse responder por mim. Ele estava muito enganado se podia pensar que me compraria assim, nunca precisei disso nem mesmo do meu próprio pai, imagina do homem que me engravidou. No fundo, sabia que ele faria algo do tipo, um cheque e pronto. Sei que fui inconsequente em ficar com Enzo, ele é um mulherengo de primeira que não consegue levar ninguém a sério. Mas o diacho do homem é lindo, charmoso e sexy, claro que caí na sua lábia. Apesar de tudo, quero ter esse filho e não abrirei mão disso, muito menos dos meus estudos e o sonho de ser uma médica viajante.
Não me arrependo da decisão de criar meu filho sozinha e me virar como sempre vi minha mãe fazer toda sua vida. Sabia que ela me apoiaria, não me deixaria sozinha assim, apesar de me achar impulsiva, não me julgava, pois sabia que daria meu melhor para tudo que me dispunha a fazer na vida. Não desistiria dos meus sonhos por nada no mundo. Faria acontecer mesmo carregando um bebê na barriga. Não havia nada que pudesse me fazer desistir de algo, quando colocava na cabeça só parava quando conseguia chegar aonde queria.
Sabia que fácil não seria, ainda mais estando grávida, solteira e muito nova, teria que trabalhar muito, mas minha mãe não me deixaria e foi realmente isso que aconteceu. Aquele foi o último dia que vi a cara lavada de Lorenzo River Nolan, pois evitei ao máximo de até mesmo esbarrar nele, me mudei para Barcelona e foquei em cuidar de mim mesma, do meu filho e minha mãe.
Consegui passar no vestibular na Universidade Autónoma de Barcelona, depois de dividir meu tempo em um restaurante de dia trabalhando e a noite estudando para ajudar minha mãe a manter o aluguel. Passei a organizar nosso dinheiro e com os meses consegui um emprego melhor, comecei a trabalhar em um consultório conceituado como secretária no centro, próximo a universidade. O salário e condições de trabalho eram melhores, então consegui juntar com o que minha mãe ganhava no restaurante que conseguiu ser subchefe, ela sempre amou cozinhar e estudou pouco, mas seu extenso currículo de experiência que obteve em Jerez de La Frontera a ajudou muito e claro seus contatos.
Os meses passaram rápido e minha gestação evoluiu bem, consegui seguir com o Pré-natal, no final dos dias não aguentava de tanto que meus pés inchavam, mas me mantive firme. Minha família precisava de mim e precisava realizar meus sonhos, apesar dos dias difíceis, conseguimos nos manter e aquele cheque maldito não nos fez falta e me orgulho do que sou hoje.
Depois de um parto natural difícil, nunca senti tanta dor na vida, aquelas contrações não são de Deus. Mas, valeu a pena, ver meu pequeno chorando a plenos pulmões, mostrando a que veio. Meu filho, Guilhermo García, forte e determinado como a mãe, mesmo que na aparência ele se pareça com o pai, o que me importa é não ser dissimulado como o pai.
Consegui me formar em Medicina com louvor e comecei a luta para me tornar uma das médicas mais procuradas. Mesmo deixando minha mãe só com o Gui depois que ele já tinha oito anos, comecei a viajar de país a país para atender emergências raras em grandes e pequenos hospitais como sempre sonhei. Quando vi que dava certo, voltei e busquei meu filho, pois não aguentava mais ficar longe dele, morria de saudades. Toda noite chorava ao ouvir a voz dele no telefone comigo e claro da minha mãe também, que nunca me abandonou.
Enfrentei muitas dificuldades durante todo esse tempo, preconceitos e diversos julgamentos, tudo que possa imaginar de ruim. Mas, aprendi muito com meu trabalho e poder ajudar as pessoas quando possível é uma dádiva para minha vida. Deixar minha mãe em Barcelona foi de cortar meu coração, quando fui buscar meu filho, claro que tentei convencê-la de vir conosco, mas como uma boa espanhola cabeça dura, ela não quis e disse para viver meu sonho plenamente. Nos primeiros anos, Guilhermo sentiu muito a falta de sua avó, casa e colegas, só que com o tempo ele se acostumou e passamos de dois a três anos em cada país e depois viajava para outro. Nisto, conhecemos diversas culturas e línguas, tenho que ressaltar que meu filho se adaptou muito bem a todas as mudanças.
Até que fomos para o Brasil e meu filho já era um rapaz, com dezoito anos, moramos em São Paulo e Rio de Janeiro onde ficamos por quatro anos. Sempre procurei manter um bom diálogo com Guilhermo, conversávamos sobre tudo e nunca escondia sobre o pai, ele tinha conhecimento do que aconteceu com o pai. Quando era criança, entendia pouco e ainda tinha muita curiosidade sobre ele, claro que sentia falta de uma figura paterna, mas depois que cresceu, na última conversa que tivemos ele me falou que não queria conhecê-lo. Não iria interferir nisso, a decisão tinha de ser dele, sei que o pai não foi correto no que fez comigo, mas no fim das contas é o pai biológico.
Quando precisei de sair do Rio de Janeiro tive que deixar Guilhermo, já que ele começou a universidade de Engenharia Automotiva e havia criado alguns laços, além de amizades. Ele conheceu uma moça com quem estava namorando e parecia bem apaixonado. A minha partida daquela vez seria a África do Sul e envolvia muitos anos de dedicação, com muito pesar deixei meu filho no Brasil, com a sua promessa de uma visita.
Depois de algum tempo, marquei sua viagem e quando nos encontramos na África, nos abraçamos tão forte, ele estava diferente com o olhar vazio e perdido.
— Madre! — sua voz embargada me atingiu e meus olhos se encheram de lágrimas, estava com muitas saudades dele. Sempre fomos nós três contra o mundo.
— Mi amor!!! — Quando senti seu cheiro, me senti em casa de novo, ele é meu lar, então o ouvi chorar mais forte e o apertei mais em meus braços — Gui, o que houve?
— Eu a perdi, madre e não pude evitar isso — ele falou com desespero na voz e acariciei seu cabelo enquanto franzia a testa tentando chegar a um raciocínio lógico do que ele estava querendo dizer.
— Perdeu quem? Precisa primeiro se acalmar — o soltei ainda me mantendo perto, encarei seus olhos e havia tanta tristeza neles que me senti mal por vê-lo daquele jeito.
— A Mari, ela se foi, mas não quero contar nada, pelo menos por enquanto, não consigo sequer conversar sobre isso — murmurou ainda com a voz contida, como se estivesse se segurando.
— Tudo bem, mi amor! — acrescentei e beijei sua testa com todo meu carinho.
— Desculpe, desabar assim, não era dessa forma que gostaria de ver a senhora depois de tantos meses.
— Eu sei, não se preocupe com isso. Só entre e fique à vontade, vamos conversar melhor sentados no sofá e se quiser ainda posso te oferecer o meu colo, sabe que não importa a idade que tenha, sempre estarei aqui por você.
— Sei disso sim, madre. Fiquei emocionado e juntando isso com o cansaço da viagem, saudades e tudo que passei no último mês…
— Foi demais, entendo mi amor. — O calei e ele sorriu sutilmente, nada como o Guilhermo que deixei no Rio de Janeiro — Você não me ligou muito nesse mês passado e fiquei realmente preocupada, sei que tem sua vida e respeito muito isso, mas não pode ficar sem me dar notícias. Não importa o que for, preciso que me ligue sempre.
— Desculpe, mas foi um mês muito difícil, o pior da minha vida, podemos falar sobre outros assuntos? — Perguntou com o olhar suplicante e claro que o respeitei e mudamos a direção da conversa. Falamos sobre o meu trabalho com as crianças africanas e logo seu semblante mudou e me senti melhor, apesar que ainda podia ver a sombra negra de tristeza em seu olhar. Quando somos mães sabemos exatamente quando nossos filhos estão se sentindo tristes e passando por alguma dor, coisa de mãe mesmo, forte como uma rocha.
Depois de alguns dias na África, ele me ajudou com algumas ações e as crianças adoraram conhecê-lo. Claro que meu filho começou a falar com eles sobre carros e motos, explicou que é piloto de moto e logo se empolgaram com tudo que ele contou. Mais alguns dias se passaram, ele recebeu uma ligação e mesmo não sabendo muito sobre do que se tratava fiquei mais aliviada ao ver meu Gui sorrindo e animado.
— Madre, você não vai acreditar! — sua alegria me contagiou e me senti realmente ansiosa para saber sobre o que havia deixado meu filho tão feliz.
— O que, mi amor?
— Estou dentro do Campeonato Mundial de MotoGP!!!! — ele gritou emocionado e claro muito feliz.
— Que felicidade e orgulho, Guilhermo! — falei e nos abraçamos. Naquela noite comemoramos juntos como se estivéssemos na Espanha, dançamos e aproveitamos aquela notícia. Era o sonho do meu filho entrar e ele estava há algum tempo tentando entrar, desde criança se interessou por carros, mas sempre amou motos e queria entender tudo sobre como elas funcionavam, por isso quis fazer Engenharia Automotiva. Abriu oficina no Brasil, fez alguns contatos também e claro montou uma equipe para conseguir entrar no mundo do MotoGP e conseguiu, herdou a determinação dos García.
Me sentia tão orgulhosa por ele, claro que meu coração saltava cada vez que sabia que ele estava na pista, afinal é algo que se corre um perigo enorme, mas peço muito a proteção da Virgem Pilar, a padroeira da Espanha para olhar por ele sempre que ia para essas competições e agora vou estar ainda mais aos pés da santa.
Dias depois ele me deixou, pois havia reuniões e muitos treinos pela frente. Guilhermo não me contou o que havia acontecido com Mari, sua namorada, mas Anita Ortiz, sua agente e melhor amiga me ligou e perguntou como ele estava, falou muito vagamente que ele a perdeu em uma dessas competições ilegais e meu coração ficou partido. A preocupação me tomou, mas ela me prometeu que cuidaria bem dele, isso é algo recorrente na vida de uma mãe: viver preocupada, ainda mais quando seu filho ama correr em pistas perigosas de moto.
Apesar disso, sinto que essa história está só no começo e ainda veria o nome do meu filho em todos os lugares como o melhor piloto, claro que sentiria ainda mais orgulho de o ter criado tão bem. Nunca desisti dele e nem dos meus sonhos, o criei com esses pensamentos e valores, sabia que Guilhermo García não me decepcionaria.
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